7 de nov. de 2011

COLUNA DA PROFª“MARIA JOANA: "Não posso partir... ainda...”


Disse-me Sílvia com um olhar entristecido, preocupado. Não porque não estivesse ”preparada”para este momento tão certo em nossa vida, quanto indesejado, como no poema Consoada de Manuel Bandeira. “Quando a indesejada das gentes chegar (Não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga: - Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer. (A noite com os seus sortilégios.) Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar.”
A grande amiga Sílvia durante toda a sua vida preparou-se para esta passagem certa que tinha “lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar.” Estava pronta para voltar para a casa do pai, para ser acolhida por sua mãe... Não sabia se nós, os que ficamos, estávamos preparados para viver sem ela, especialmente o filho querido Rodrigo e o esposo João, por isso dizia preocupada: “Não posso partir... ainda...”
E por isso lutava bravamente pela vida,e mesmo que seu corpo alquebrado pelo sofrimento, pela dor, pedisse para descansar, Sílvia não se entregava. E não reclamava, pelo contrário, animava a todos que tinham a felicidade de partilhar de sua amizade. Recebia sempre com sorriso terno, amigo, com os olhos brilhantes, verdadeiros, com seu conselho profundo, cheio de sabedoria. Sempre tinha uma palavra de esperança, de consolo, uma luz,iluminando seu próprio retorno...
Mas mesmo para ela que viveu uma vida de fé profunda em Deus, de doação, de serviço, de caridade a chegada da “indesejada das gentes”, da “iniludível”... causava apreensão, medo... Para os que não tem a felicidade de ter a certeza da fé em Deus, na outra vida, a angústia é muito maior.
Nesta semana o lançamento da biografia do fundador da Apple Steve Jobs, escrita por Waalter Isaacson, vem responder a uma dúvida que coloquei em meu artigo: Finados: tempo para refletir sobre o que fizemos com a nossa vida...antes de partir .Não sabia se Jobs era crente ou não. E revela um dos tormentos de Jobs e todo ser humano ao interrogar-se sobre o além.“É fifty-fifty”, dizia ele ao seu biógrafo. “Meio a meio. Às vezes, eu acho que Deus existe. Às vezes, não. Eu gostaria de acreditar na vida após a morte. Mas temo que, no fim, só haja um botão on-off. Um clique, a luz vai embora. E você não existe mais. Por isso, eu nunca gostei de colocar botões de ligar nos produtos da Apple".
O poderoso Jobs tinha o poder de tirar o botão on-off dos produtos da Apple, mas não tinha o poder de impedir o off de sua própria vida, e da vida de ninguém. Ninguém tem esse poder, nem os crentes, independente de sua fé ou não crentes. Mas para os que crêem fica a certeza do reencontro, da acolhida pelos que já partiram..., da volta para casa...
E nesta semana os cemitérios estiveram cheios de pessoas reverenciando os que já se encontraram com ”a indesejada das gentes”... E foram muitos os reencontros com muitos amigos que ainda não partiram. Que bom que ainda estamos por aqui e podemos corrigir as falhas, lançar boas sementes neste campo lavrado, deixar a casa sempre ”limpa, a mesa posta, cada coisa em seu lugar” antes de partir... E foram tantas partidas nestes dias: a Sílvia, a Clarinha, a Márcia, a querida tia Rosa, o amadinho terceiro tão pequenino, mas já tão esperado (e pensar que tem pessoas que fazem abortos e justificam que não é uma vida ainda...)
Mas os noticiários cheios de detalhes da doença de Lula, da rapidez entre o diagnóstico e início do tratamento. Atingido naquilo que os próprios médicos e seus amigos chamavam ontem de sua ferramenta principal de fazer política - a voz -, Lula pode até reduzir sua exposição pública, mas continuará ativo nos bastidores, na costura do jogo do poder. Posso imaginar a dificuldade para se adaptar à nova realidade, ele que construiu no gogó toda sua carreira de líder sindical e político, até se eleger por duas vezes presidente da República. Mas nem chega perto da dificuldade de um brasileiro comum, diagnosticado com câncer, cuja demora em começar a ser atendido pelo SUS é de 76 dias para a quimioterapia e de 113 para a radioterapia. O câncer dos brasileiros tem de aprender a esperar... e muito...
Maria Joana Titton Calderari – membro da Academia Mourãoense de Letras, graduada Letras UFPR, especialização Filosofia-FECILCAM e Ensino Religioso-PUC-

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